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Personagem real numa vida de ficção e "à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo".
Ele: Tu queres ter filhos?
Ela: Não... Nunca tive essa vontade... Não tenho paciência para crianças.... Não lhes acho piada nenhuma...
Ele: Estás a falar a sério?
Ela: Estou... Tu queres?
Ele: Quero... Gosto muito de crianças... Gostava de ter duas meninas gémeas e um menino!
Ela: E agora?
Ele: E agora o quê?
Ela: Tu queres, eu não quero...
Ele: Depois vemos.... Pode ser que mudes de idéias!
Ela: Ou não....
- E isto? Faz-lhe lembrar alguma coisa? - pergunta o Inspector Hammed àquele estrangeiro que apareceu no meio do deserto da Tunísia há já um mês.
-Não, infelizmente não... Lembro-me vagamente de passar pelo sítio onde o Star War's foi filmado... Sei que estava sozinho e de repente, do nada, surge uma violenta tempestade de areia e eu só consegui abrigo naquelas pequenas casas. Não sei quanto tempo estive lá. Já lhe contei isto tantas vezes... Tem a minha identificação, já ligou para o consulado de Portugal?
-Já. Não foi dado como desaparecido no seu país.
-Se calhar estava aqui de férias.
-Fomos a todos os hotéis da cidade, ninguém o reconhece...
-Se calhar eu vim para cá por outro país! É uma possibilidade!!
-Não sei. Tinha que ter entrado ou pela Argélia ou pela Líbia e não creio que tivesse escolhido estes países para passar férias.
-E se eu não estiver de férias mas sim a trabalhar?
-Mas nesse caso já teriam dado pela sua falta, nesta altura nós já tinhamos uma participação de desaparecimento...
Gabriel voltou para a cela. Não estava preso e até estava bastante confortável. Era um português que tinha sido encontrado só, com a roupa que trazia e a identificação no desesto da Túnisia, desidratado e sem qualquer transporte à vista. Um grupo de turistas viram-no e levaram-no para o hospital onde ficou inconsciente durante cerca de três semanas. Nesse período a policia fez o que pode para tentar saber quem era aquele Gabriel Moreira Peixoto mas mesmo na terra dele, Ofir, nunca ninguém nunca tinha visto aquele homem. Os pais tinham morrido e aparentemente nunca se soube por aqueles lados que aquele casal tinha tido um filho. Um mistério.
Os dias foram passando, as semanas também e o estrangeiro permanecia na cela. Tinha muito poucas lembranças e as poucas que ainda ía tendo ocorriam-lhe sobretudo durante o sono. Via muitas vezes um jovem de aparência arabe, muito alto e moreno. Via também uma mulher coberta com um turbante azul claro e só lhe via os olhos verdes: um verde profundo, cristalino, lipido e muito bem delineados a preto.
Enquanto isto acontecia, em Itália, uma bela mulher debatia-se por se ver livre das correntes que a aprisionavam à cama. Tinha uns olhos verdes, de verde profundo, cristalino, límpido. Encostado à parede estava um jovem de aparência arabe, alto e moreno, a admirar quase sadicamente aquela preciosidade que consegui finalmente capturar.
-Solta-me, deixa-me ir embora. O que é que eu te fiz? Porque é que me prendes? O meu namorado está à minha procura, vai matar-te quando me encontrar.
-Minha querida Lídia, nunca ninguém te vai encontrar. Daqui vamos sair para Tozeur e garanto-te que vou fazer de ti a mulher mais feliz do mundo. Nunca ninguém neste mundo vai conseguir localizar-te e vais dar-me muitos filhos e vou fazer de ti uma dona de casa exímia.
-NÃAAAOOO!!!! Eu não quero ir. O Gabriel vem atrás de ti. Ele sabe onde tu estás. Ele vem salvar-me.
- O teu Gabriel está longe, foi um tonto. Neste momento está numa cela na Tunísia e não sabe quem tu és, de onde veio e o que está lá a fazer. E olha que foi bem mais fácil do que pensei. Ele meteu-se pelo deserto e a natureza foi implacável, foi apanhado por uma tempestade de areia e um dos meus homens enquanto ele estava inconsciente deu-lhe uma pequena prenda e ele perdeu a memória. Tens que concordar que é bem melhor que o matar. Eu não gosto de violência!!!- Riu-se muito alto e fechou a porta atrás de si. Ouvia-a a gritar dentro da cave mas de nada lhe valia, ninguém a ouvia. Ía tratar dos preparativos para a viagem. Iam de barco, mal pusessem pés na Túnisia iria ser muito fácil fazê-la desaparecer, estava em casa.
-LÍDIA!! LÍDIA!!- Gabriel acordou suado e com medo, lembrava-se de um nome, Lídia, mas quem seria aquela Lídia?
-Inspector, lembrei-me de um nome, Lídia.
-Mas só com um nome continuamos a não ir a lado nenhum, lembra-se de mais alguma coisa?
-Não... Só que tem olhos verdes, muito bonitos e vejo-a sempre com um turbante azul claro. Aparece também um jovem de aspecto árabe, alto e moreno.
-Isso não ajuda muito. A policia portuguesa está a fazer de tudo para tentar descobrir quem você é. Ninguém o conhece no seu país, os seus pais morreram, não tem mais família que se conheça ou que se preocupe ao ponto de participar que desapareceu... Aqui também não o conhecem em lado nenhum, nos hotéis, nas empresas, é um perfeito desconhecido. Nunca um caso assim me tinha passado pelas mãos. É o meu final de carreira e vou fazer tudo o que me for possivel para descobrir quem você é e entrega-lo ao seu país e à sua familia.
-Muito obrigado... Se calhar tinha sido muito mais fácil se tivesse morrido no deserto..
-Não diga disparates. Eu não descanso enquanto não descobrir o seu passado e o seu presente.
Entretanto em Licata, no sul da Sicília o jovem de aspecto árabe, alto e moreno alugava um pequeno barco para o levar juntamente com Lídia para Hammamet, lá teriam gente à espera para os levar para o meio do deserto. Tudo parecia correr conforme planeara, não tinha o porquê de correr mal. Ía ser feliz com a bela de olhos verdes.
Voltou à cave e disse-lhe:
- Isto é para te acalmares, vamos fazer uma pequena viagem e assim não enjoas no barco e mantens-te calma e sossegada. A lua vai dar-nos a visibilidade que precisamos e vai correr tudo bem. Dizia isto enquanto lhe espetava a agulha no braço com um líquido amarelo.
-NÃAAOO!!!! Eu não quero ir, porque é que me fazes isto? Eu não te conheço, Não te fiz mal nenhum....
-Conheces, conheces, foste-me prometida em casamento. Eu só quero o que é meu...
-Mas eu nem sou da tua raça, eu sou portuguesa, os meus pais são portugueses como é que eu te posso ter sido prometida?
-Foi o teu Gabriel, o teu amado namorado quem me disse que eu podia ficar contigo, foi ele quem te ofereceu.
-Tu és louco, ele nunca faria uma coisa dessas. Nós estamos juntos há muito tempo, ele ama-me. Eu não sou virgem.....
E adormeceu, aquelas foram as últimas palavras que disse em jeito de dissuasão mas que de nada lhe valeram.
Gabriel, conversava muito com o Inspector. Lia todos os dias o pequeno livro onde apontava tudo o que se ía lembrando nos sonhos, pequenas coisas que achava serem importantes e que lhe ocorriam, mas que no seu todo não ajudavam em nada. Eram pequenos fragmentos que nem ele sabia se seriam da sua vida. Estava perdido na sua própria vida, na sua existencia e não sabia se algum dia iria saber a verdade. Era noite e estavam a jantar, sentia um aperto fora do comum, a comida parecia que não descia, ficava presa no esófago, o coração estava acelerado. Desde que se lembrou do nome Lídia que o repetia vezes sem conta para ver se o despertava para uma outra lembrança. Mas nada. Sabia que era filho de alguém que já morreu, não sabia em que trabalhava, de onde vinha para onde ía, se era casado, se tinha filhos, o que estava ali a fazer, não sabia de nada e esta angústia afligia-o a cada momento que passava. Desejava morrer. Desejava ter morrido no deserto. Que raio tinha ido ele fazer para o deserto? Como tinha lá ido parar?
Acabou o jantar, vieram para o pátio beber um chá de menta e olhar as estrelas. Aquela noite estava clara devido à lua cheia.
O Inspector queria a todo o custo desenvencilhar aquela marosca toda. Queria no fim da sua carreira fazer algo que o deixasse de consciência tranquila porque nem sempre tinha sido um bom polícia. Num país pobre e corrupto como aquele, tinha feito coisas que agora, no fim da vida o deixavam envergonhado e desenvencilhar aquele imbróglio era para ele uma forma de se redimir de todo o mal que tinha feito. Não se poupava a trabalhos, todos os dias falava com o consulado português para saber novidades, falava com guias, falava com a polícia de outras esquadras e ninguém sabia quem era o estrangeiro!
O dia raiava quando a policia portuária reparou num pequeno barco que parava na praia de Hammamet. Não era normal. Aquela praia era frequentada principalmente por turistas, aquele barco ainda por cima era italiano. Decidiram ir averiguar se havia alguma coisa por ali. Mais à frente, notaram um pequeno grunhido, um vulto deitado sobre outro enquanto o abanava. Aproximaram-se lentamente, silenciosamente e ouviam falar mas não percebiam o que se passava.
-Acorda, já chegamos!! dizia o jovem de aspecto árabe, alto e moreno. Anda não me deixes aqui sozinho, o pior já passou, em breve serás a minha mulher.... Vamos casar e ter muitos filhos. A minha mãe está a preparar a festa. Vais ficar linda com o vestido dela... Não tinha resposta, estava a ficar preocupado. Ouviu um estalito e olhou para trás, eram dois guardas com as mãos nas armas e um olhar assustado.
-Quem és tu? O que estás aqui a fazer? Afasta-te!! Quem está aí contigo?
O jovem de aspecto arabe, alto e moreno afastou-se com um sorriso nos lábios e de braços abertos.
-Obrigado, vieram!! Essas roupas são para disfarçar? Para ninguém perceber?
-Para ninguém perceber o quê? A sua identificação.
-Deixa-te de coisas, sou eu o Amir, têm o carro pronto?
-Vira-te, põe as mãos atrás das costas e afasta as pernas.
-Vai ver como ela está disse um guarda para o outro. Tu vens connosco para a esquadra, vamos saber o que andas aqui a fazer e quero saber quem é esta mulher.
-É a minha mulher. Não lhe toquem. Ela é minha!!
-Ela está desorientada e em choque. O que é que lhe fizeste? Vamos leva-la para o hospital.
-Não, ela não sai daqui sem mim. Os meus primos e tios que ficaram de me vir aqui buscar?
-Isto cheira-me mal. Chama o capitão e pede uma ambulância. Tu vais ficar aqui preso a esta árvore enquanto não chegam os reforços. E nem abras a boca, cheira-me que estás metido num problema e grave.
Gabriel estava a beber o chá à tarde quando o Inspector chegou. Não sabia como dizer e aquelas notícias até podiam nem ter nada a ver com o caso do estrangeiro, mas ela tinha uns lindos olhos verdes, exactamente como Gabriel tinha descrito. Estava acompanhada por um jovem de aspecto árabe, alto e moreno. Não era daquela raça tal como Gabriel e estava no hospital onde só pedia para chamar... o Gabriel. Bem se aquilo não tivesse nada a ver com aquele Gabriel então estava perante uma coincidência daquelas que desafiam as leis da probabilidade.
-Preciso que venha comigo. Parece que há desenvolvimentos no seu caso.
-A sério? Já me sabe dizer quem sou?
-Eu não mas se calhar encontramos alguém que o conhece e vamos ver se ela lhe diz alguma coisa.
Aquele hospital era-lhe familiar, o cheiro era familiar. Encaminharam-se para o quarto e mal chegou à porta viu-a e reconheceu aqueles olhos de imediato, era a mulher dos sonhos. Ela chorou!!
-Gabriel...
-Lídia???
-Claro!!! Não me conheces?
-Para dizer a verdade não. Reconheço os teus olhos.....
Enquanto Gabriel tomava agora conhecimento da sua vida e da sua existência e de tudo o que o levou àquele país, o Inspector retirou-se e deixou-os sozinhos, tinham muito que conversar. Ele estava feliz. Graças à sua não desistência do caso, tinha sido avisado pela polícia marítima da chegada ilegal daquela mulher junto com um homem de aspecto árabe, alto e moreno.
Mais tarde, Gabriel foi agradecer ao Inspector tudo o que fizera por ele e embora ainda não se lembrasse bem do seu passado, sabia que Lídia era sua mulher, viviam e trabalhavam em Itália há já 15 anos. Eram donos de um restaurante de cozinha típica portuguesa e Amir era um cliente assíduo por quem até tinham alguma consideração, o que desconheciam era que Amir desenvolveu uma paixão absurda por Lídia e decidiu raptá-la. Tinha tudo muito bem planeado: uma vez na Túnisia ía levá-la para o deserto e mantê-la cativa até morrer no seio de uma família não menos doente que ele. O pormenor que falhou foi o carro em que os primos íam busca-los à praia; avariou e não conseguiram transporte alternativo em tempo útil e por isso foram apanhados.
Íam embora naquele dia. Lídia tinha alta do hospital. Íam continuar com as vidas felizes que levavam e lentamente sabia que ia conseguir sair daquele estado amnésico. O jovem de aspecto árabe, alto e moreno arabe iría cumprir 30 anos de pena de prisão efectiva e nunca Gabriel iria esquecer aquele amável Inspector que fez de tudo para lhe devolver a vida. Também o Inspector iría para a reforma mais sossegado e redimido de algum mal que eventualmente pudesse ter feito durante a sua vida de polícia.
(Texro ficcionado por mim para a Fábrica de Histórias).
Era para ali que ia todos os dias. Esperava que um mortal reparasse nela, a ouvisse. Era a última daquela espécie que toda a gente julga ser mito.
Todas as outras sereias tinha optado pela mortalidade ao permitirem que um mortal as seduzisse e beijasse. Ao casarem perdem a imortalidade e deixam de poder comunicar umas com as outras, deixam de se poderem ver. Só um mortal macho pode e consegue ouvir e ver as sereias, de forma que ela estava ali, sozinha, e todas as noites subia áquele rochedo e contemplava as estrelas enquanto deixava que a dor a e a solidão fossem levadas pelo vento.
Tinha ajudado muitos marinheiros, tinha evitado que navios se partissem contra aquela ilha rochosa. Tinha acenado por entre o nevoeiro a marinheiros incrédulos do que estavam a ver. Tinha visto a evolução naval, era uma adolescente mas na idade mortal, contava já com uns sábios 752 anos.
Aquela noite, que deveria ser como todas as anteriores em que ela se sentava e olhava para o seu reflexo na mar, foi diferente. Na pequena enseada mais à frente viu um bote. Movida pela curiosidade nadou até lá e escondeu-se entre as rochas. Viu-a... Muitos anos tinham passado e ali estava ela , a companheira de muitas brincadeiras. Chorava!!! Estava velha, a idade tinha passado por ela como se os minutos fossem anos, chorava e dizia:
"Se me estiveres a ouvir Pharneleta, nunca permitas que um mortal te leve do paraíso que é o mar. Eu fui, deixei de vos poder ver, de vos poder falar. Não sei sequer se estás ainda aí, se ainda existe alguma de nós. A vida não é como nós aí ouvíamos falar, não é o que imaginávamos, não é bela e apaixonada, não é alegre, não é boa. Aqui temos que trabalhar muito para podermos ter alimento, aquilo a que nós chamamos amor tem que ser cuidado diariamente para não terminar, aquilo a que nós chamamos paixão passa num abrir e fechar de olhos. Aqui há guerra, há fome, há desgraça, há morte. Aqui há uma coisa que chamamos Sorte e acredita que é precisa muita sorte para ter ao nosso lado um mortal que nos trate bem, que não nos bata, que não nos engane, que não nos minta. Sorte foi aquilo que...."
Pharneleta não quis continuar a ouvir, pela primeira vez chorou, a água salgada como o mar escorria-lhe pelo rosto, foi para o alto do rochedo e cantou. Cantou porque sabia que dali a pouco a amiga ia morrer e dissolver-se na espuma branca do mar. Regressaria às origens!
Decidiu que para toda a eternidade ia ser a última sereia. Tinha todos os peixes e criaturas do mar como amigos, não estava assim tão mal.
(Texto escrito por Alice para a Fábrica de Histórias)