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Personagem real numa vida de ficção e "à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo".
Gosto de andar de comboio. Lembro com saudade as viagens diárias que fazia quando trabalhava perto de Aveiro, o comboio regional, que parava em todas as estações a apeadeiros e ia sempre cheio, de manhã e à noite e onde volta e meia aconteciam cenas caricatas.
Este Verão fui passar uns dias ao Algarve, como ia sozinha optei por ir de comboio, embora mais caro que o avião, sempre ficava mais barato que ir de carro.
Lá fui toda contente a pensar nas cerca de 5 horas que ia passar sozinha, sem ter que conversar, só eu e os meus pensamentos. Para lá a viagem correu bem. Para cá aconteceu o insólito, o vizinho de "coxia", um senhor com os seus 50 anos, não se calou um segundo, pergunta atrás de pergunta e nem as minhas resposta curtas o detiveram. Começou por perguntar para onde ia, assim que soube que éramos de localidades vizinhas, não parou mais. Queria saber ao pormenor em rua eu vivo porque conhece muito bem a minha terra, quem era a família, o que é que eu fazia, onde trabalhava e por aí adiante. Claro que menti em tudo o que disse, sabia lá bem se o fulano não era um tarado qualquer que me podia vir a dar problemas?
Depois passou para a fase "perguntas sobre as férias" para onde tinha ido, onde tinha ficado, onde tinha ido beber copos à noite, onde tinha almoçado... E claro, tudo isto acompanhado pelos relatos efusivos das férias dele. Acho que nem a polícia faria um interrogatório desta forma tão exaustiva.
Ao terceiro olhar de soslaio da rapariga do banco da frente, que com o olhar dizia "como é que tu consegues estar aí a aturar o homem", levantei-me e fui ao bar, onde acabei por ficar boa meia hora, porque não tive lata para dizer que me estava a incomodar, voltei ao banco e aproveitei que ele estava a ler o jornal e fiz de conta que dormi. Quando cheguei à estação, disse que se eu não tivesse boleia para casa, que ele e o sobrinho, que estava à espera dele, me levavam, gentileza que agradeci e despedi-me com um adeus e fugi porta fora.
Não querendo pensar que todas as pessoas que nos atravessam o caminho são más ou maldosas, confesso que achei um bocado falta de chá deste senhor até porque à terceira resposta monossilábica que eu ouvisse do meu interlocutor, eu remeter-me-ia ao silêncio, percebendo que ele queria tudo excepto estar ali a conversar.