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Personagem real numa vida de ficção e "à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo".
Era para ali que ia todos os dias. Esperava que um mortal reparasse nela, a ouvisse. Era a última daquela espécie que toda a gente julga ser mito.
Todas as outras sereias tinha optado pela mortalidade ao permitirem que um mortal as seduzisse e beijasse. Ao casarem perdem a imortalidade e deixam de poder comunicar umas com as outras, deixam de se poderem ver. Só um mortal macho pode e consegue ouvir e ver as sereias, de forma que ela estava ali, sozinha, e todas as noites subia áquele rochedo e contemplava as estrelas enquanto deixava que a dor a e a solidão fossem levadas pelo vento.
Tinha ajudado muitos marinheiros, tinha evitado que navios se partissem contra aquela ilha rochosa. Tinha acenado por entre o nevoeiro a marinheiros incrédulos do que estavam a ver. Tinha visto a evolução naval, era uma adolescente mas na idade mortal, contava já com uns sábios 752 anos.
Aquela noite, que deveria ser como todas as anteriores em que ela se sentava e olhava para o seu reflexo na mar, foi diferente. Na pequena enseada mais à frente viu um bote. Movida pela curiosidade nadou até lá e escondeu-se entre as rochas. Viu-a... Muitos anos tinham passado e ali estava ela , a companheira de muitas brincadeiras. Chorava!!! Estava velha, a idade tinha passado por ela como se os minutos fossem anos, chorava e dizia:
"Se me estiveres a ouvir Pharneleta, nunca permitas que um mortal te leve do paraíso que é o mar. Eu fui, deixei de vos poder ver, de vos poder falar. Não sei sequer se estás ainda aí, se ainda existe alguma de nós. A vida não é como nós aí ouvíamos falar, não é o que imaginávamos, não é bela e apaixonada, não é alegre, não é boa. Aqui temos que trabalhar muito para podermos ter alimento, aquilo a que nós chamamos amor tem que ser cuidado diariamente para não terminar, aquilo a que nós chamamos paixão passa num abrir e fechar de olhos. Aqui há guerra, há fome, há desgraça, há morte. Aqui há uma coisa que chamamos Sorte e acredita que é precisa muita sorte para ter ao nosso lado um mortal que nos trate bem, que não nos bata, que não nos engane, que não nos minta. Sorte foi aquilo que...."
Pharneleta não quis continuar a ouvir, pela primeira vez chorou, a água salgada como o mar escorria-lhe pelo rosto, foi para o alto do rochedo e cantou. Cantou porque sabia que dali a pouco a amiga ia morrer e dissolver-se na espuma branca do mar. Regressaria às origens!
Decidiu que para toda a eternidade ia ser a última sereia. Tinha todos os peixes e criaturas do mar como amigos, não estava assim tão mal.
(Texto escrito por Alice para a Fábrica de Histórias)