Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]


O que é que te deixa feliz?

por Alice, em 18.06.09

- Sou agricultor. Vivo da terra e do que ela me dá. Quando chove, quando Deus manda a chuva para a terra, eu fico feliz! (Homem, 70 anos, Índia)

 

- Já fui feliz, agora estou sozinha, antes do meu marido morrer era feliz com ele! (Mulher, 64 anos, Itália)

 

- Ouir música deixa-me feliz. Quando tenho algum problema oiço música, descobri que a música me deixa feliz! (Mulher, 34 anos, Africa do Sul)

 

- Eu não tenho problemas, nem com os filhos nem com a mulher. Assim a minha vida é mais simples e mais fácil. No entanto gostava de ter outras coisas para me sentir mais  feliz, gostava de trabalhar, tenho 50 anos e não tenho trabalho. (Homem, 50 anos,  Argélia)

 

- Eu sou infinitamente feliz, amo o meu marido, ele é meu amigo, respeita-me e eu respeito-o a ele. Mesmo quando ele erra, como às vezes faz apostas no futebol, perde e tem que pagar mas eu amo-o e sou muito feliz. (Mulher, 40 anos, Cambodja)

 

- A minha felicidade é relativa. Aqui sou feliz, consigo respirar de alivio, não oiço o barulho dos tiros, tenho tecto e comida e água para beber. As organizações protegem-nos, não deixam que nada nos aconteça. Estamos em paz aqui. Para ser feliz queria ter aqui a minha familia. (Homem, 37 anos, Refugiado Sudanês)

 

- Eu gosto quando a minha mãe faz um bolo e me deixa comer o bolo todo. (Menino, 3 anos, hospitalizado com doença terminal)

 

- Fui o homem mais feliz deste mundo. Fui casado durante 24 anos, ela morreu e eu desejo morrer depressa para ir para a beira dela. (Homem, 50 anos, Espanha)

 

- O dia mais feliz da minha vida foi quando soube que estava grávida. O meu coração quase que explodia, foi um sentimento inexplicável. (Mulher, 32 anos, Portugal)

 

- Sou feliz sempre que chego a casa e o meu filhote vem a correr para os meus braços e me dá um abraço. (Homem, 34 anos, Suécia)

 

- Sou feliz todos os dias, tenho trabalho, saúde e a família ao meu lado, não preciso de mais nada. (Mulher, 45 anos, Brasil)

 

- Queria ter um bom carro e uma boa casa e uns milhões na conta para poder gozar a vida. (Mulher, 19 anos, Japão)

 

(Texto de ficção escrito pr Alice para a Fábrica de Histórias)

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

As outras crianças!!

por Alice, em 02.06.09

Queres que fale de crianças... Para mim não é fácil. Não nutro empatia com elas e nem elas por mim. Gosto de as ver a brincar ao longe, de forma a não as conseguir ouvir. 

 

Gosto de pegar num bébé ao colo, até gosto de ver e de sentir aquele projecto de ser humano, tão indefeso, tão puro, tão quentinho, a cheirar bem,  a apertar os dedos, a olhar para nós a tentar perceber quem somos e então  quando eles soltam aquelas gargalhadas típicas de bébé, é de derreter o coração.

 

Conheci um grupo de crianças e vou tendo algum contacto com elas, as chamadas crianças de risco, já deves ter ouvido falar.

 

A Jéssica, é uma Açoriana que está cá há uns quatro anos mas ainda tem aquele sotaque serrado. Tem 16 anos. Nos Açores estava numa família de acolhimento mas segundo contou não era a família perfeita. Não sei o que aconteceu aos pais dela para ter ido parar ali. Com 12 anos começou a fumar cigarros.  Lá na escola rapidamente se tornou uma "marginal" por só querer estar ao pé dos rapazes e raparigas que fumam e dos cigarros aos charros e à erva foi um repente. Em casa não se importavam muito com ela, as notas da escola, o que ela fazia, as companhias com quem andava não era a  principal preocupação. A preocupação daquela mãe de acolhimento era ter cigarros para fumar e cerveja para beber.  Passado pouco tempo constou-se e verificou-se ser verdade, ela andava com um senhor de 60 anos. Consequencias para a família de adopção, se houve ela não sabe mas continuam a obter rendimentos da Segurança Social através do acolhimento de crianças. Ainda tem amigos de lá que lhe telefonam, dos quais sente saudades e à pouco tempo disseram-lhe que ela tem agora um irmão novo.

Veio para o continente e embora agora esteja adaptada, no inicio era uma miúda revoltada, rebelde, não acatava ordens e quando cismava que queria qualquer coisa nova, não descansava até a ter, nem que para isso tivesse que partir o velho. Fez isso com uns óculos. Dizia que os óculos comprados nos Açores lhe faziam lembrar os pais adoptivos e por isso queria uns novos. Tanto andou que para levar a dela adiante partiu os velhos e tiveram que lhe comprar uns novos. Era mal criada com as outras crianças, com os responsáveis, com os professores na escola. Ainda é um bocadinho, ainda fuma às escondidas, pede cigarros aos amigos da escola.  A Jéssica foi e teve  tudo o que uma criança com 12 anos não deve ser nem deve experimentar.

 

"Eu aqui estou feliz e dos Açores, tenho saudades dos meus amigos e dos meus primos. Não queria voltar para lá." disse-me ela.

 

A Filipa é uma menina linda com agora 8 anos, tem os  olhos azuis, é muito dócil, muito simpática, muito tímida,é raro ouvir-lhe a voz mas quando fala, tem um timbre de mulher adulta. Ela e a irmã vieram do Porto de um daqueles bairros que pelas piores razões, de vez em quando aparecem nos telejornais. A mãe ao que parece deixava-as em casa sozinhas para ir ganhar dinheiro para a droga a vender o corpo. Não era raro levar os clientes para casa, para o quarto ao lado onde as meninas dormiam. Está ali há uns 5 anos. Ao fim de semana, de vez em quando, vai visitar os avós, a mãe está proibida de as ver.

 

O Pedro é o poeta lá do sítio. Anda a tirar um curso profissional de mecânica e está a adorar. Muito bom aluno, muito atento, muito interessado por tudo. Ajuda os mais novos  nos trabalhos de casa e a estudarem. Não sei a história do passado dele mas sei esteve durante meses  sem abrir a boca, sem falar. Agora fala pelos cotovelos e é lambareiro como ninguém.

 

A Maíta, veio da Guiné com 10 anos para ser tratada no Hospital S. João a um problema grave de saúde. Veio sozinha e enquanto aguardava que os tratamentos terminassem ficou naquele centro. Ela tem família na Guiné, que a estima, que a acarinha, que se preocupa com ela. Enquanto cá esteve ensinou aqueles meninos e meninas a poupar recursos, explicou-lhes qual era a realidade do país dela. Ficou impressionada com os computadores e telemóveis e com as roupas que via por aqui.

Ensinou-os a dançar dunumba, que eu acho ser uma dança tradicional do país dela. Já voltou há muito tempo à Guiné e está bem.

 

Estas são algumas das crianças que me comovem, de quem eu gosto e muito. São crianças que com tão pouca idade já passaram por coisas que com o dobro da idade delas nunca sequer experimentei. São crianças que dão valor a um bolo que se lhes leve, a um livro, a um conjunto de marcadores ou lápis de cor. Sao seres humanos que não tiveram sorte com o pilar mais sólido que se deve ter, a familia.

 

Isto não é uma história, é o relato de uma realidade e muitas mais e bem piores haverão por aí. 

Texto escrito por Alice para a Fábrica de Histórias.

Autoria e outros dados (tags, etc)

Guerra na Paleta de Cores!!

por Alice, em 27.05.09

                          

 

 

 

 

Era uma vez uma Paleta de Cores que vivia em guerra contra os Cinzentos e os Pretos.

 

Embora fizessem todos parte da grande família das Cores, os Negros não se entendiam com as restantes, não gostavam da vida alegre e feliz que as Cores tinham.

 

Ora que aconteceu foi o seguinte: os Negros conseguiram não se sabe muito bem como, o acesso à Fábrica da Cor, o sítio onde todas as cores são feitas na sua mais pura cor e começaram a sabotar. De cada vez que lá íam, os Amarelos tornavam-se um bocadinho mais escuros, o mesmo acontecia com os Azuis, com os Verdes, com todas as cores e isto porque a Fábrica entrou em greve e os Humanos já lá não iam há cerca de uma semana.

 

Havia ainda um outro problema, é que era preciso meter ordem na Paleta de Cores. Era necessário que uma delas ou um conjunto organizado de Cores se unissem para fazer frente aos Negros.

 

Posto isto, o Branco, que é a junção de todas as cores, uma espécie de sábio dentro da Paleta, todas as Cores o respeitam e que sempre se quis manter à parte daquela guerra absurda, disse:

 

- Nós, independentemente da cor que temos, não existimos uns sem os outros. A maior parte de nós é a junção de uma ou mais cores excepto ali o Azul, o Amarelo e o Vermelho, esses são puros, são as cores primárias. Todo o resto da Paleta deriva de um ou mais deles e eu sem vocês todos também não existia. Temos que arranjar forma de não deixar que os Negros tenham acesso à Fábrica, temos que fazer vigílias e impedir que eles cheguem lá e esperemos que os Humanos não fiquem em greve durante muito mais tempo. Só eles conseguem meter os Negros no sítio.

 

- Eu proponho-me a organizar um exército para combater os Negros. Eu sou o comandante porque já fui atingido, fui o primeiro. Mas não sei o que é que eles têm contra mim, eu até me dava muito bem com o Cinzento, eramos amigos.  Estou tão triste!!!- disse o Vermelho.

O vermelho era o amor, a força, a paixão, a revolução, o perigo e, era uma das cores dos semáforos. Por tudo isto ele julgava-se a cor superior, o supra sumo das cores. Claro que cada cor se achava superior às outras e logo ali começou um valente bate-boca com todas as cores a insurgirem-se contra todas as outras.

 

- E porque é que hás-de ser tu o comandante? Eu sou a natureza, a Primavera, a juventude, a fertilidade, a esperança. O mundo está repleto de espaços verdes, o mar é verde...

 

- Ai não é não, o mar é azul como eu. Eu sou a confidência, a harmonia, a liberdade, a saúde....

 

- Pois e também és muito monótono, desculpa lá a franqueza disse a Magenta. Eu sou a luxúria, a sofisticação, a feminilidade, o desejo, a sensualidade.

 

- Eu sou rápido, posso aniquilar os Negros num instante. Sou o mais valioso de todos nós, sou a cor do Ouro, sou alegria,  optimismo - disse o Amarelo.

 

- Eu estou próximo de Deus, sou espiritual, sou criativo e sou a dor também. Acho que os Negros me temem! Eu sou a cor indicada para acabar com a nossa aniquilação.- disse o Violeta.

 

A discussão continuou, todas as Cores disseram que se achavam as mais indicadas para comandar um "exército" para evitar o seu escurecimento. Veio o Laranja com a sua energia, entusiasmo, criatividade. O Castanho sólido e seguro, rústico, estável e responsável. 

 

O Branco já sem paciência para aquilo tudo, deu um murro na mesa e disse:

 

- Chega!!!!! Ninguém precisa de nenhum comandante, nós só precisamos de evitar que os Negros se  infiltrem na Fábrica. Cada Cor vai ficar responsável pela sua tina e pelas suas gradações. Os Negros só atingem uma Cor de cada vez portanto se uma de vós estiver em perigo só tem que chamar as outras e vamos em seu auxílio.

 

Logo nessa noite, enquanto todas as Cores repousavam nas suas tinas, um pequeno grupo sussurrava lá no fim da Fábrica. Eram os Negros, não ficaram satisfeitos com a decisão do Branco, não gostavam dele por ele ser o sábio, por todos o respeitarem. Assim decidiram nessa mesma noite torná-lo um Cinzento. Lentamente começaram a deslizar rumo à tina do Branco que descansava sereno e em paz.

 

O que os Negros não esperavam era que o Vermelho estivesse alerta: o Vermelho, o Amarelo e o Laranja, todos eles à espreita de qualquer movimentação estranha, de um qualquer barulho suspeito e, rapidamente, aperceberam-se que os Negros vinham danificar mais uma vez a Paleta. Da borda das suas tinas ficaram à espreita a ver quem se estava a aproximar e viram o Preto a aproximar-se sozinho, os outros não vieram.

 

Na Paleta, era histórica o ciúme que existia entre o Preto e o Branco. Se o Branco é a junção de todas as cores-luz, por outro lado, o Preto, é a ausência de luz, absorve-a totalmente. No fundo são quase dois gémeos, embora opostos.  O  Preto queria tirar a coroa da glória ao Branco e tornar-se o supra sumo das Cores; como a Cor que todos respeitam e que todos ouvem.

 

Silenciosamente, o Vermelho, o Laranja e o Amarelo deslizaram das respectivas tinas e foram chamar as outras Cores: vieram todos, o Verde, o monótono Azul, a sensual Magenta, o Castanho... Todas elas deslizaram e rodearam o Preto quase sem ele se aperceber. Ao ver-se rodeado riu-se, riu-se bem alto e disse:

 

- O que é que vocês pensam que vão fazer? Atacar-me? Fazer-me mudar de cor? Só eu tenho essa habilidade, eu posso tornar-vos mais escuros se vocês se atirarem a mim. Não vão mudar-me, vou continuar a ser o mesmo Preto de sempre.

 

-Nós não queremos isso, só estamos a tentar perceber porque é que estás a escurecer-nos? Nunca te fizemos mal, podemos viver em harmonia todos juntos porque sempre o fizemos. Todos nós fazemos falta. Sem todas nós o mundo não era um lugar luminoso, colorido, que os humanos conhecem. Até tu és importante! Não percebo o porquê de tanto rancor. - disse o Branco que entretanto tinha acordado.

 

Nisto chegam os Cinzentos. Toda a gama de cinzentos que existia na Paleta, juntaram-se ao Preto e disseram-lhe:

 

- Preto, eles têm razão, não faz sentido andarmos a escurecermo-nos uns aos outros, ainda por cima eles são mais do que nós. Imagina se eles se juntam e decidem clarear-nos? Nós deixamos de existir. Tu achas que não és respeitado mas és. Todas as cores te respeitam, tu és tão importante para o mundo como qualquer outra Cor. És a classe, a distinção, a elegância, a nobreza. Não olhes para ti como sendo só simbolo de luto e tristeza, maldade, pessimismo.

 

- Têm razão. Desculpem-me a arrogância e o egoísmo. Vamos esquecer este episódio e viver todos em harmonia?

 

- Vamos, disseram todos em uníssono.

 

 

 A vida na  Paleta regressou à normalidade. Entretanto a Fábrica também regressou à labuta normal e nunca os Humanos se aperceberam nem suspeitaram que durante aquela semana o mundo tinha escurecido mais um pouco.

 

(Texto de ficção ecrito por Alice para a Fábrica de Histórias)

Autoria e outros dados (tags, etc)

Conheci-a em 1979, tinha ganho o Prémio Nobel da Paz.

Sempre senti uma profunda admiração por aquela Senhora e  o maior privilégio que tive na vida,  foi ter tido oportunidade de privar com ela durante aqueles três dias em que estive na Índia. 

A primeira sensação que tive quando me vi ao lado dela era o profundo sentimento de paz e sabedoria que emanava daquela mulher. Perante tamanha bondade senti-me pequenina, insignificante neste Universo. Uma mulher poderosa mas humana, com muitas dúvidas e com o coração repleto de amor para oferecer.

Contou-me que sentiu a vocação para se fazer missionária com doze anos ao ouvir um jesuíta missionário na Índia dizer que "Cada qual na sua vida deve seguir o seu próprio caminho". Ela tinha decidido naquele momento dar um sentido à vida dela e entregar-se aos outros. Casou com a verdade, com o amor, com a bondade, com os pobres e oprimidos, com a pobreza e com a miséria.

Durante toda a sua vida foi professora, enfermeira, mãe, pai, politica.
Em 1937, fez a profissão perpétua e adoptou o nome de Teresa em honra à monja francesa padroeira dos missionários. Cerca de dez anos mais tarde e perante muita insistência do Papa Pio XII, abandonou as suas funções de monja e iniciou uma nova congregação As Missionárias da Caridade. O hábito que adoptou, um sari azul e branco, escolheu-o por representar a pureza e a Virgem Maria. Como princípios adoptou o abandono de todos os bens materiais. Cada irmã só possuía um prato, um jogo de roupa interior, um par de sandálias, um pedaço de sabão, uma almofada, um colchão, um par de lençóis e um balde metálico.
Ensinou a ler e escrever crianças e adultos. Ensinou regras básicas de higiene num país onde a miséria e a imundice imperava, espalhou não a palavra de Deus mas a palavra dela e a sua confiança Nele embora algumas vezes abalada.
Dedicou a sua vida ao povo, a Deus, a fazer o bem. Não tinha preconceitos e nem sabia o significado desta palavra, aos olhos dela eram todos iguais, os leprosos, os cegos, os velhos, as crianças, os doentes com HIV.
Ouvi-a dizer a um enfermeiro: "O senhor não dá banho a um leproso nem por um milhão de dólares? Eu também não. Só por amor se dá banho a um leproso". Ele corou, calçou a luvas e foi para o lado dela. Tinha  força para motivar quem estava desmotivado. 
 
Durante a vida teve dúvidas, teve tentações, relatou-me um episódio:
"Um dia após dar voltas e voltas à procura duma casa, era preciso um tecto para acolher os abandonados, pus-me a caminho para o encontrar. Caminhei ininterruptamente, até já não puder mais. Então compreendi até que ponto de esgotamento têm de chegar os verdadeiros pobres, sempre em busca de um pouco de alimento, de remédio, de tudo. A lembrança da tranquilidade material de que gozava no convento de Loreto apresentou-se diante de mim como uma tentação”.
 
Questionou a existência de Deus, sentia falta das respostas dele, escrevia cartas com alguma regularidade a um conselheiro espiritual, numa delas escreveu :" Tão profunda ânsia por Deus e repulsa, vazio sem fé, sem amor, sem fervor. Se não houver Deus, não pode haver alma, se não houver alma então Jesus, você não é real" A miséria com que privava todos os dias levou-a a questionar a existência de Deus, mas passou.
 
Na altura eu gozava de uma boa vida em Portugal, tinha um bom emprego, uma boa casa, carro, máquina de lavar roupa, tinha empregada duas vezes por semana. Não fui para a Índia em missão humanitária, fui de férias, queria conhecer o Taj Mahal, passear. Lembrei-me uns meses antes de partir de tentar através dos conhecimentos do meu pai conseguir uma entrevista com ela e depois deste episódio posso dizer que a minha vida, o meu modo de vida mudou. Não fui capaz de lhe seguir o exemplo, não tive a força que ela teve, de se despojar de todos os bens materiais e de todas as comodidades que a vida oferece mas hoje vivo com bastante menos e vivo feliz. Foi uma bênção ter privado com ela. 
 
Nasceu Agnes Gonxha Bojaxhiu e ficou para sempre conhecida por Madre Teresa de Calcutá.
 
Que descanse em paz não como uma Santa mas como uma grande Mulher.
 
(História de ficção baseada em factos reais escrita por Alice para a Fábrica de Histórias)

Autoria e outros dados (tags, etc)

- E isto? Faz-lhe lembrar alguma coisa? - pergunta o Inspector Hammed àquele estrangeiro que apareceu no meio do deserto da Tunísia há já um mês.
-Não, infelizmente não... Lembro-me vagamente de passar pelo sítio onde o Star War's foi filmado... Sei que estava sozinho e de repente, do nada, surge uma violenta tempestade de areia e eu só consegui abrigo naquelas pequenas casas. Não sei quanto tempo estive lá. Já lhe contei isto tantas vezes... Tem a minha identificação, já ligou para o consulado de Portugal?
-Já. Não foi dado como desaparecido no seu país.
-Se calhar estava aqui de férias.
-Fomos a todos os hotéis da cidade, ninguém o reconhece...
-Se calhar eu vim para cá por outro país! É uma possibilidade!!
-Não sei. Tinha que ter entrado ou pela Argélia ou pela Líbia e não creio que tivesse escolhido estes países para passar férias.
-E se eu não estiver de férias mas sim a trabalhar?
-Mas nesse caso já teriam dado pela sua falta, nesta altura nós já tinhamos uma participação de desaparecimento...
 
Gabriel voltou para a cela. Não estava preso e até estava bastante confortável. Era um português que tinha sido encontrado só, com a roupa que trazia e a identificação no desesto da Túnisia, desidratado e sem qualquer transporte à vista. Um grupo de turistas viram-no e levaram-no para o hospital onde ficou inconsciente durante cerca de três semanas. Nesse período a policia fez o que pode para tentar saber quem era aquele Gabriel Moreira Peixoto mas mesmo na terra dele, Ofir, nunca ninguém nunca tinha visto aquele homem. Os pais tinham morrido e aparentemente nunca se soube por aqueles lados que aquele casal tinha tido um filho. Um mistério.
 
Os dias foram passando, as semanas também e o estrangeiro permanecia na cela. Tinha muito poucas lembranças e as poucas que ainda ía tendo ocorriam-lhe sobretudo durante o sono. Via muitas vezes um jovem de aparência arabe, muito alto e moreno. Via também uma mulher coberta com um turbante azul claro e só lhe via os olhos verdes: um verde profundo, cristalino, lipido e muito bem delineados a preto.
 
Enquanto isto acontecia, em Itália, uma bela mulher debatia-se por se ver livre das correntes que a aprisionavam à cama. Tinha uns olhos verdes, de verde profundo, cristalino, límpido. Encostado à parede estava um jovem de aparência arabe, alto e moreno, a admirar quase sadicamente aquela preciosidade que consegui finalmente capturar.
 
-Solta-me, deixa-me ir embora. O que é que eu te fiz? Porque é que me prendes? O meu namorado está à minha procura, vai matar-te quando me encontrar.
-Minha querida Lídia, nunca ninguém te vai encontrar. Daqui vamos sair para Tozeur e garanto-te que vou fazer de ti a mulher mais feliz do mundo. Nunca ninguém neste mundo vai conseguir localizar-te e vais dar-me muitos filhos e vou fazer de ti uma dona de casa exímia.
-NÃAAAOOO!!!! Eu não quero ir. O Gabriel vem atrás de ti. Ele sabe onde tu estás. Ele vem salvar-me.
- O teu Gabriel está longe, foi um tonto. Neste momento está numa cela na Tunísia e não sabe quem tu és, de onde veio e o que está lá a fazer. E olha que foi bem mais fácil do que pensei. Ele meteu-se pelo deserto e a natureza foi implacável, foi apanhado por uma tempestade de areia e um dos meus homens enquanto ele estava inconsciente deu-lhe uma pequena prenda e ele perdeu a memória. Tens que concordar que é bem melhor que o matar. Eu não gosto de violência!!!- Riu-se muito alto e fechou a porta atrás de si. Ouvia-a a gritar dentro da cave mas de nada lhe valia, ninguém a ouvia. Ía tratar dos preparativos para a viagem. Iam de barco, mal pusessem pés na Túnisia iria ser muito fácil fazê-la desaparecer, estava em casa.
 
-LÍDIA!! LÍDIA!!- Gabriel acordou suado e com medo, lembrava-se de um nome, Lídia, mas quem seria aquela Lídia?
-Inspector, lembrei-me de um nome, Lídia.
-Mas só com um nome continuamos a não ir a lado nenhum, lembra-se de mais alguma coisa?
-Não... Só que tem olhos verdes, muito bonitos e vejo-a sempre com um turbante azul claro. Aparece também um jovem de aspecto árabe, alto e moreno.
-Isso não ajuda muito. A policia portuguesa está a fazer de tudo para tentar descobrir quem você é. Ninguém o conhece no seu país, os seus pais morreram, não tem mais família que se conheça ou que se preocupe ao ponto de participar que desapareceu... Aqui também não o conhecem em lado nenhum, nos hotéis, nas empresas, é  um perfeito desconhecido. Nunca um caso assim me tinha passado pelas mãos. É o meu final de carreira e vou fazer tudo o que me for possivel para descobrir quem você é e entrega-lo ao seu país e à sua familia.
-Muito obrigado... Se calhar tinha sido muito mais fácil se tivesse morrido no deserto..
-Não diga disparates. Eu não descanso enquanto não descobrir o seu passado e o seu presente.
 
Entretanto em Licata, no sul da Sicília o jovem de aspecto árabe, alto e moreno alugava um pequeno barco para o levar juntamente com Lídia para Hammamet, lá teriam gente à espera para os levar para o meio do deserto. Tudo parecia correr conforme planeara, não tinha o porquê de correr mal. Ía ser feliz com a bela de olhos verdes.
Voltou à cave e disse-lhe:
- Isto é para te acalmares, vamos fazer uma pequena viagem e assim não enjoas no barco e mantens-te calma e sossegada. A lua vai dar-nos a visibilidade que precisamos e vai correr tudo bem. Dizia isto enquanto lhe espetava a agulha no braço com um líquido amarelo.
-NÃAAOO!!!! Eu não quero ir, porque é que me fazes isto? Eu não te conheço, Não te fiz mal nenhum....
-Conheces, conheces, foste-me prometida em casamento. Eu só quero o que é meu...

-Mas eu nem sou da tua raça, eu sou portuguesa, os meus pais são portugueses como é que eu te posso ter sido prometida?
-Foi o teu Gabriel, o teu amado namorado quem me disse que eu podia ficar contigo, foi ele quem te ofereceu.
-Tu és louco, ele nunca faria uma coisa dessas. Nós estamos juntos há muito tempo, ele ama-me. Eu não sou virgem.....
E adormeceu, aquelas foram as últimas palavras que disse em jeito de dissuasão mas que de nada lhe valeram.
 
Gabriel, conversava muito com o Inspector. Lia todos os dias o pequeno livro onde apontava tudo o que se ía lembrando nos sonhos, pequenas coisas que achava serem importantes e que lhe ocorriam, mas que no seu todo não ajudavam em nada. Eram pequenos fragmentos que nem ele sabia se seriam da sua vida. Estava perdido na sua própria vida, na sua existencia e não sabia se algum dia iria saber a verdade. Era noite e estavam a jantar, sentia um aperto fora do comum, a comida parecia que não descia, ficava presa no esófago, o coração estava acelerado. Desde que se lembrou do nome Lídia que o repetia vezes sem conta para ver se o despertava para uma outra lembrança. Mas nada. Sabia que era filho de alguém que já morreu, não sabia em que trabalhava, de onde vinha para onde ía, se era casado, se tinha filhos, o que estava ali a fazer, não sabia de nada e esta angústia afligia-o a cada momento que passava. Desejava morrer. Desejava ter morrido no deserto. Que raio tinha ido ele fazer para o deserto? Como tinha lá ido parar?
 
Acabou o jantar, vieram para o pátio beber um chá de menta e olhar as estrelas. Aquela noite estava clara devido à lua cheia.
 
O Inspector queria a todo o custo desenvencilhar aquela marosca toda. Queria no fim da sua carreira fazer algo que o deixasse de consciência tranquila porque nem sempre tinha sido um bom polícia. Num país pobre e corrupto como aquele, tinha feito coisas que agora, no fim da vida o deixavam envergonhado e desenvencilhar aquele imbróglio era para ele uma forma de se redimir de todo o mal que tinha feito. Não se poupava a trabalhos, todos os dias falava com o consulado português para saber novidades, falava com guias, falava com a polícia de outras esquadras e ninguém sabia quem era o estrangeiro!
 
O dia raiava quando a policia portuária reparou num pequeno barco que parava na praia de Hammamet. Não era normal. Aquela praia era frequentada principalmente por turistas, aquele barco ainda por cima era italiano. Decidiram ir averiguar se havia alguma coisa por ali. Mais à frente, notaram um pequeno grunhido, um vulto deitado sobre outro enquanto o abanava. Aproximaram-se lentamente, silenciosamente e ouviam falar mas não percebiam o que se passava.
-Acorda, já chegamos!! dizia o jovem de aspecto árabe, alto e moreno. Anda não me deixes aqui sozinho, o pior já passou, em breve serás a minha mulher.... Vamos casar e ter muitos filhos. A minha mãe está a preparar a festa. Vais ficar linda com o vestido dela... Não tinha resposta, estava a ficar preocupado. Ouviu um estalito e olhou para trás, eram dois guardas com as mãos nas armas e um olhar assustado.
-Quem és tu? O que estás aqui a fazer? Afasta-te!! Quem está aí contigo?
O jovem de aspecto arabe, alto e moreno afastou-se com um sorriso nos lábios e de braços abertos.
-Obrigado, vieram!! Essas roupas são para disfarçar? Para ninguém perceber?
-Para ninguém perceber o quê? A sua identificação.
-Deixa-te de coisas, sou eu o Amir, têm o carro pronto?
-Vira-te, põe as mãos atrás das costas e afasta as pernas.
-Vai ver como ela está disse um guarda para o outro. Tu vens connosco para a esquadra, vamos saber o que andas aqui a fazer e quero saber quem é esta mulher.
-É a minha mulher. Não lhe toquem. Ela é minha!!
-Ela está desorientada e em choque. O que é que lhe fizeste? Vamos leva-la para o hospital.
-Não, ela não sai daqui sem mim. Os meus primos e tios que ficaram de me vir aqui buscar?
-Isto cheira-me mal. Chama o capitão e pede uma ambulância. Tu vais ficar aqui preso a esta árvore enquanto não chegam os reforços. E nem abras a boca, cheira-me que estás metido num problema e grave.
 
Gabriel estava a beber o chá à tarde quando o Inspector chegou. Não sabia como dizer e aquelas notícias até podiam nem ter nada a ver com o caso do estrangeiro, mas ela tinha uns lindos olhos verdes, exactamente como Gabriel tinha descrito. Estava acompanhada por um jovem de aspecto árabe, alto e moreno. Não era daquela raça tal como Gabriel e estava no hospital onde só pedia para chamar... o Gabriel. Bem se aquilo não tivesse nada a ver com aquele Gabriel então estava perante uma coincidência daquelas que desafiam as leis da probabilidade.


-Preciso que venha comigo. Parece que há desenvolvimentos no seu caso.
-A sério? Já me sabe dizer quem sou?
-Eu não mas se calhar encontramos alguém que o conhece e vamos ver se ela lhe diz alguma coisa.
 
Aquele hospital era-lhe familiar, o cheiro era familiar. Encaminharam-se para o quarto e mal chegou à porta viu-a e reconheceu aqueles olhos de imediato, era a mulher dos sonhos. Ela chorou!!


-Gabriel...
-Lídia???

-Claro!!! Não me conheces?

-Para dizer a verdade não. Reconheço os teus olhos..... 


 
Enquanto Gabriel tomava agora conhecimento da sua vida e da sua existência e de tudo o que o levou àquele país, o Inspector retirou-se e deixou-os sozinhos, tinham muito que conversar. Ele estava feliz. Graças à sua não desistência do caso, tinha sido avisado pela polícia marítima da chegada ilegal daquela mulher junto com um homem de aspecto árabe, alto e moreno.

 

 

Mais tarde, Gabriel foi agradecer ao Inspector tudo o que fizera por ele e embora ainda não se lembrasse bem do seu passado, sabia que Lídia era sua mulher, viviam e trabalhavam em Itália há já 15 anos. Eram donos de um restaurante de cozinha típica portuguesa e Amir era um cliente assíduo por quem até tinham alguma consideração, o que desconheciam era que Amir desenvolveu uma paixão absurda por Lídia e decidiu raptá-la. Tinha tudo muito bem planeado: uma vez na Túnisia ía levá-la para o deserto e mantê-la cativa até morrer no seio de uma família não menos doente que ele. O pormenor que falhou foi o carro em que os primos íam busca-los à praia; avariou e não conseguiram transporte alternativo em tempo útil e por isso foram apanhados.

 

Íam embora naquele dia. Lídia tinha alta do hospital. Íam continuar com as vidas felizes que levavam e lentamente sabia que ia conseguir sair daquele estado amnésico. O jovem de aspecto árabe, alto e moreno arabe iría cumprir 30 anos de pena de prisão efectiva e nunca Gabriel iria esquecer aquele amável Inspector que fez de tudo para lhe devolver a vida. Também o Inspector iría para a reforma mais sossegado e redimido de algum mal que eventualmente pudesse ter feito durante a sua vida de polícia. 

 

(Texro ficcionado por mim para a Fábrica de Histórias).

Autoria e outros dados (tags, etc)


Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

  Pesquisar no Blog



Arquivo

  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2014
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2013
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2012
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2011
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2010
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2009
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2008
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D